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Os Titulares e os Oficiais da Patuleia


de Miguel E. Pina, Nuno Borrego e Lourenço V. de Freitas, 245 pp + CCI pp.

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Apresentação

A Junta Provisória do Governo Supremo do Reino – depois conhecida como a Junta da Patuleia – constituiu‑se na cidade do Porto, no dia 10 de Outubro de 1846. Podemos apresentá‑la como um movimento de homens bons e patriotas, que traduziu uma bissectriz valiosa entre os sentimentos nacionais profundos de independência do País, de base tradicionalista e as aspirações liberais. Presidida pelo Conde das Antas, General Francisco Xavier da Silva Pereira, herói das campanhas da liberdade, a Junta Provisória teve, como vice‑presidente, Passos José – ou José da Silva Passos, presidente da Câmara do Porto – e integrou, num primeiro momento, António Dias de Oliveira, Sebastião de Almeida e Brito, o Conde de Resende, o Barão de Lordelo, António Luís de Seabra, mais tarde: Visconde de Seabra e Francisco de Paula Lobo de Ávila: um conjunto prestigiado de nomes em evidência nas armas, nas letras e na vida pública da época.
Cumpre recordar os antecedentes da Junta. Na sequência do bloqueio continental decretado em Berlim, no dia 21 de Novembro de 1806, tardia e renitentemente acatado por D. João VI, Napoleão Bonaparte ordenou, em 11 de Outubro do ano seguinte, a invasão do Reino. Seguiram‑se as denominadas invasões francesas, a Guerra Peninsular e todo o cortejo de exacções económicas e culturais que as acompanharam. O País teve, depois, de resolver a interferência britânica: o General Gomes Freire de Andrade foi executado, em 1817, no forte de São Julião da Barra. Novas ideias foram fazendo o seu caminho: em 24 de Agosto de 1820, um pronunciamento militar, no Porto, prepara a revolução liberal. No final do ano, realizaram‑se as primeiras eleições. E a 23 de Setembro de 1822, é aprovada a Constituição, reconhecendo‑se, em 1825, a independência do Brasil.
No dia 27 de Maio de 1823, subleva‑se D. Miguel I. As leis tradicionais são declaradas em vigor no dia 4 de Janeiro de 1824. Por intervenção estrangeira, D. Miguel I é exilado, em Maio desse mesmo ano. D. João VI morre em 10 de Março de 1826. Sucede‑lhe D. Pedro IV que, ainda no Brasil, outorga, em Abril, a Carta Constitucional. Em 2 de Maio, D. Pedro IV abdica da Coroa de Portugal em sua filha, D. Maria da Glória: previa‑se que ela viesse a casar com seu Tio, D. Miguel I, que juraria a Carta. No final do ano, desembarca no País um corpo expedicionário inglês, para defesa do regime da Carta Constitucional. E no ano seguinte, D. Pedro IV nomeia D. Miguel seu lugar‑tenente para reger o Reino, em conformidade com a Carta.
D. Miguel I regressa em Fevereiro de 1828. Em Março, são assassinados, em Condeixa, os Lentes miguelistas da Universidade de Coimbra. Saem as tropas inglesas, sendo D. Miguel I aclamado Rei, em Junho, em reunião dos Três Estados do Reino. Seguiu‑se a sublevação liberal na Ilha Terceira (1829), a abdicação, por D. Pedro IV, do trono brasileiro e a sua chegada à Europa (1831): as chamadas guerras liberais tiveram o seu início, dilacerando o País até à intervenção estrangeira e à Convenção de Évora‑Monte, em 26 de Maio de 1834. Sobreveio delicada crise financeira. Em 1836, ocorreu a Revolução de Setembro: foi reposta a Constituição de 1822, em detrimento da Carta. Sucediam‑se os levantamentos, ora militares, ora populares, sendo de sublinhar, a 14 de Abril de 1838, o juramento de nova Constituição: próxima da de 1822.
Em 27 de Janeiro de 1842, Costa Cabral faz proclamar a Carta Constitucional. Segue‑se um Governo do Duque de Terceira, fortemente influenciado por Costa Cabral. Impopular, ele facilitaria uma aproximação entre a oposição miguelista e os setembristas. Novas leis sobre os cemitérios (1844‑1845) e uma grave crise financeira determinariam, em Abril de 1846, a revolta de Maria da Fonte e o exílio dos irmãos Costa Cabral: embarcados, logo em Maio, num vapor francês rumo a Espanha. O novo ministério é chefiado pelo Duque de Palmela.
E assim chegamos ao dia 6 de Outubro de 1846. Costa Cabral, em Madrid, consegue uma intervenção do Governo espanhol contra o nosso regime, através de pressões sobre D. Maria II. Esta demite Palmela e conduz Saldanha à presidência do ministério: um golpe de Estado palaciano conhecido como a “emboscada”. Rapidamente, Saldanha suspende as eleições e as garantias individuais, proíbe os jornais e reintegra os civis e militares demitidos sob Palmela. Surpreendido pelos acontecimentos, o povo de Lisboa não reagiu. Mas na Cidade do Porto, com fortes tradições populares e liberais, a reacção foi vigorosa. Congregando diversas tendências, num arco que retomava a aliança miguelista e setembrista, a resistência conduziu à Junta Provisória do Governo Supremo do Reino e, depois, à denominada Guerra da Patuleia.
O movimento da Junta Provisória alastrou, vitorioso, a quase todo o Reino. Apenas o distrito de Lisboa se manteria sob o poder de Saldanha. Havia simpatias e apoios em França e na Inglaterra, pouco interessada na aproximação entre Madrid e Lisboa, protagonizada pelos Cabrais. Nas áreas sob o poder da Patuleia – e sempre em nome de D. Maria II, que os homens da Junta supunham ter sido coagida a perpetrar a “emboscada” de 6 de Outubro de 1846 – foram tomadas importantes providências de ordem pública e, ainda, medidas financeiras e económicas: visando sanar o estado desastroso do País. Todavia, no plano militar, as forças da Junta não lograram penetrar até Lisboa: em 22 de Dezembro de 1846, Saldanha batia as tropas do Conde de Bonfim em Torres Vedras. Na Cidade do Porto, a moral mantinha‑se, porém, sempre elevada.
O destino do movimento da Patuleia acabaria por ser traçado por via diplomática e através da intervenção estrangeira. A aproximação aos miguelistas foi usada como argumento para reactivar a Quádrupla Aliança – Inglaterra, França, Espanha e o Reino – que pusera termo, em Évora‑Monte, às guerras liberais. A acção directa de D. Maria II junto da rainha Vitória, à qual a ligavam laços familiares de afinidade, foi decisiva. No plano militar, as armas patuleias, sob o comando de Sá da Bandeira, desembarcaram no Algarve e chegaram a Setúbal, ameaçando Lisboa. Mas os ingleses intervêm, quer no campo diplomático, quer no militar: Sir Thomas Maitland, à frente de uma esquadra, detém uma frota do Conde das Antas que saía do Porto rumo a Lisboa. Tropas espanholas invadem o País por Trás‑os‑Montes e pelo Minho. Pretendendo evitar mais derramamentos de sangue, a Junta Provisória negoceia. A Convenção de Gramido, assinada a 29 de Junho de 1847, restabeleceu a paz. A Junta dissolveu‑se no dia seguinte, dando por finda a sua missão.
Sob estes eventos político‑militares acolhe‑se uma realidade sócio‑cultural em mutação: segundo Joel Serrão, ainda por estudar. E por estudar está igualmente a actividade jurídica da Junta: recordemos que, entre os seus membros, estava o Visconde de Seabra, autor material do nosso primeiro Código Civil. Genuinamente nacional, com laivos de ingénua probidade, a Junta da Patuleia traduz o misto de progresso, de aventura e de nacionalismo que, à nossa Terra, dão uma identidade. Praticou actos justos e, historicamente, legítimos. Muitos deles foram ressalvados pela Convenção de Gramido e pelas leis subsequentes. E entre eles contam‑se, precisamente, as atribuições de títulos, sempre feitas em nome de D. Maria II. A reconstrução da actividade jurídica da Junta da Patuleia é difícil: nos confrontos oitocentistas, muitos arquivos foram destruídos. Teria, porém, um enorme interesse histórico e cultural.
Aproxima‑se o segundo centenário das invasões francesas e das movimentadas inquietações que viram partir o Brasil e que iniciaram, na nossa Terra, uma atormentada busca de novas referências nacionais. Trata‑se de um período cujas dimensões profundas devem ser investigadas. E a tarefa tem um interesse recrudescido: pois tal como há dois séculos, também hoje procuramos ler, no estrangeiro, as opções que cumpre encontrar em nós próprios.
Miguel Esperança Pina, Nuno Gonçalo Pereira Borrego e Lourenço Vilhena de Freitas oferecem ao público interessado uma interessante obra: Os titulares e os oficiais da Patuleia, que temos o privilégio de apresentar. Investigação rigorosa e segura, Os titulares e os oficiais da Patuleia reconstitui eventos importantes e pouco divulgados ligados à Guerra da Patuleia e à sua genuína expressão jurídica e nacional. Uma vez iniciada, a sua leitura não se detém. No plano jurídico, salientamos ainda a cuidada pesquisa de Direito nobiliárquico: importante disciplina civil, de cariz bem nacional e que se mantém em vigor. Hoje como ontem: os principais valores da trama política e social são, sempre, as pessoas.

António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro

Doutor em Direito, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa e Sócio Correspondente da Academia das Ciências de Lisboa

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